NÃO OS TIRES, MAS OS LIVRES – Manoel Coelho Jr. João 17: 14-16.


Vimos na exposição do verso anterior, que Cristo orou pela alegria de seus discípulos em meio a um mundo que os perseguiria. Nos versos que vamos estudar agora, Ele acrescenta a solicitação pelo livramento dos discípulos do mal deste mesmo mundo, relatando o ódio mundano e seu motivo. Tudo na verdade está vinculado, visto que devido a este ódio, eles poderiam sucumbir em tristeza, ou ceder a uma falsa alegria. Assim, precisariam ser livres do mal do mundo, para que então fossem mantidos na alegria de Cristo. Além disso, ao ouvirem essas palavras de Nosso Senhor, eles já experimentariam consolo, e seriam orientados em relação à reação correta ao ódio mundano, pois saberiam que Cristo orou por sua alegria e por seu livramento ao Pai, mostrando que isto aconteceria, não por serem retirados do mundo, mas sim, livres do seu mal. Vamos estudar com mais detalhes estas verdades neste estudo, e no da próxima semana, aplicando-as às nossas vidas.

I - A dádiva da Palavra e o ódio consequente (Verso 14).
Como em outras vezes durante a Oração Sacerdotal, aqui também o Nosso Senhor apresenta um relatório. Afirma que concedeu aos discípulos a Palavra, mostrando também que a consequência disso foi o ódio do mundo contra eles. Primeiro temos que pensar a que Palavra o Senhor se refere. Evidentemente a resposta está nos versos 8. As palavras que Cristo lhes deu, são as palavras do Pai, e eles creram e conheceram, a partir delas, que Cristo veio de Deus, que foi enviado pelo Pai.
Mas qual foi a reação do mundo diante da fé dos discípulos de Cristo? O Senhor diz que o mundo os odiou. Para entendermos o ódio do mundo, devemos olhar para outro trecho do evangelho de João que mostra o momento em que o Senhor Jesus encerra o seu ministério público, e a reação do mundo após todo o seu trabalho. Leiamos:
"Disse-lhes, pois, Jesus: A luz ainda está convosco por um pouco de tempo. Andai enquanto tendes luz, para que as trevas não vos apanhem; pois quem anda nas trevas não sabe para onde vai. Enquanto tendes luz, crede na luz, para que sejais filhos da luz. Estas coisas disse Jesus e, retirando-se, escondeu-se. E, ainda que tinha feito tantos sinais diante deles, não criam nele; Para que se cumprisse a palavra do profeta Isaías, que diz: Senhor, quem creu na nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor? Por isso não podiam crer, então Isaías disse outra vez: Cegou-lhes os olhos, e endureceu-lhes o coração, A fim de que não vejam com os olhos, e compreendam no coração, E se convertam, E eu os cure. Isaías disse isto quando viu a sua glória e falou dele"
João 12: 35-41.
O Senhor está encerrando o seu ministério público. Ele diz que aquelas pessoas que o estava ouvindo, deveriam crer nEle, crer na luz, para que se tornassem filhos da luz. Aquela geração que ouviu a Cristo e que viu os seus milagres, representava o mundo. O que aconteceu com eles, acontece com o mundo em geral, acontece com cada geração, na medida em que o Evangelho é pregado, a não ser que a graça de Deus opere. Já temos visto que mundo no Evangelho de João, representa muitas vezes a humanidade caída em Adão, incrédula, resistente a Deus e a sua Palavra. O mundo odeia a luz de Cristo, porque esta mostra os seus pecados e os condena. O mundo prefere as trevas (Leia João 3: 19, 20; 7: 1-7).
A consequência é que o mundo também odiará a todos aqueles que receberem a Palavra de Cristo, porque estes se tornam filhos da luz. Eles passam a refletir a luz de Cristo e assim condenam o mundo por suas palavras e obras. Estes são de outro Reino, não pertencem mais ao mundo. Estes pertencem agora a Cristo, são outro povo, outra humanidade, a humanidade redimida. Eles não estão mais em Adão, mas em Cristo. Assim como Cristo não é do mundo eles também não o são. Eles pertencem a Cristo. É isso que o Senhor afirma em João 17: 14. Na verdade só há duas humanidades, que são os que estão em Cristo e os que estão em Adão. Os que estão em Cristo não pertencem mais ao mundo. Por isso que o mundo os odeia (Leia também Romanos 5: 12-21 e II Co 5: 17).
II - Presença e livramento (Verso 15).
Poderíamos imaginar que diante do ódio do mundo, seria conveniente Nosso Senhor pedir ao Pai que os seus amados fossem logo retirados, para estarem com Ele na glória, glória esta que Cristo mesmo em breve experimentaria, e que há pouco solicitara ao Pai para si mesmo (Verso 5). Mas muito ao contrário, explicitamente o Senhor diz que não quer que os seus discípulos amados sejam retirados do mundo mas sim guardados do mal. Por que Cristo agiu assim? Compreendemos melhor quando lemos mais adiante, no verso 18, que os discípulos estão sendo enviados ao mundo. Eles têm uma missão. Já vimos que o Espírito Santo testificaria ao mundo sobre Cristo, e que os próprios discípulos testificariam também (Veja João 15: 26, 27). Temos visto, ainda, que Cristo disse que o dia existe para trabalhar, e que logo vem a noite quando nenhum trabalho poderá ser feito. O significado é que há um limite de tempo, há uma vida a ser vivida, há uma tarefa a cumprir-se nela, e logo vem a morte quando ninguém poderá trabalhar. A vida é o dia e a noite é a morte, mostrando que os discípulos tinham uma missão para esta vida e que deveriam cumpri-la, portanto. A missão evidentemente era testificar sobre Cristo ao mundo (Leia João 9: 4, 5 e 11: 8-10).
É muito interessante notarmos, portanto, que os discípulos não seriam livres do ódio do mundo por meio de um escape imediato, por meio de serem imediatamente levados para a glória, porque eles tinham uma missão. O livramento seria na medida em que cumprisse a missão, estando no mundo, e não sendo retirados dele. E sobre a forma deste livramento se processar, estudaremos na próxima exposição, se Deus assim nos permitir, como também sobre o significado do mal no mundo, do qual devemos ser livres pelo Pai, conforme a solicitação de Cristo.
III - Uma aplicação final - O problema do separatismo.
Diante do ódio do mundo, e suas ameaças em termos de perseguições e seduções, é muito comum os cristãos serem tentados a criar “muros” que os separem de alguma forma dos incrédulos. Esses muros podem até ser literais, como semelhantemente já ocorreu na história, mas na maioria das vezes isso ocorre de forma mais sutil. Pode acontecer, por exemplo, em se afastarem de alguma esfera da vida social, profissional ou acadêmica, que mesmo sendo legítima em si, é vista por eles como potencialmente perigosa. Também pode ocorrer em eles evitarem um mínimo contato com antigos conhecidos, e até com familiares, por causa da incredulidade ou práticas deles, ou para contornarem suas censuras. Ou ainda pode ocorrer na forma de eles se tornarem fortes defensores de algum princípio, ou doutrina, ou prática moral, ao ponto de se fazerem temerosos em manter qualquer contato com quem pensa diferente, para evitar críticas ou argumentos contrários. Enfim, são muitas as tentativas e formas de separação em que cristãos se vêem envolvidos, quando perceberem o ódio do mundo contra a sua fé, e não entendem como devem reagir.
Mas não foi pela separação que Cristo orou. Ao contrário, os enviou ao mundo para a missão de testemunho (Verso 18). Ora, como os cristão testemunharão se não tiverem nenhum contato com as pessoas? É verdade que deve-se ter algum tipo de separação, pois "as más conversações corrompem os bons costumes” (I Co 15: 33), e sobre isso trataremos melhor no próximo estudo. No entanto, falo agora de algo extremado, de um separatismo que leva ao corte da vida social, e do testemunho, da evangelização, enfim, conforme os exemplos que procurei dar. Tal separatismo é contra a vontade do Senhor, que não orou para que seus discípulos fossem imediatamente retirados do mundo, mas sim livres do seu mal. O ponto é que o Pai livrará os discípulos do mal, não por meio deles se separarem totalmente dos incrédulos, mas na medida em que eles testemunharem aos mesmos sobre Cristo. Assim, temos duas consequências danosas do separatismo: Primeiro, ele é contrário ao testemunho sobre Cristo. Segundo, ele não protege realmente os cristãos, pois não é a maneira que Cristo indicou para vencer o mal, e não devemos querer ser mais sábios que o Senhor. De fato a história mostra que o separatismo foi uma armadilha para muitos que o seguiram, visto que em si mesmo já é uma desobediência Àquele que disse: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura (Mc 16: 15).
Para concluir, peço que analise a sua vida de relacionamento com os incrédulos lembrando destas verdade: Cristo não orou para que seus discípulos fossem retirados do mundo, mas livres do mal. Ao contrário de retirados, Cristo afirmou que estariam no mundo como sal e luz (Jo 17: 15; Mt 5: 13-16). Quero lhe aconselhar que no lugar e papel que o Senhor o colocou em sua providência, você viva como cristão, cumprindo o seu dever em amor e serviço a Deus e ao próximo, e na medida que assim agir, converse com eles e lhes fale Sobre Aquele que lhe Salvou. Antes, santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós (I Pe 3: 15).
*Esboço do sermão do dia do Senhor, 29 de maio de 2022.

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